quarta-feira, 9 de março de 2011

Mesmo em níveis baixos, chumbo provoca hipertensão

Concentrações de chumbo inferiores aos limites considerados seguros aumentam o risco de hipertensão. É o que mostra um estudo realizado por pesquisadores brasileiros e publicado na Public Library of Science One (one.plos.org).
Os testes foram feitos em ratos. Na pesquisa, os cientistas injetaram baixíssimas doses de acetato de chumbo nos animais. A concentração da substância não ultrapassou 10 microgramas por decilitro de sangue. Mesmo assim, em apenas uma semana, a pressão dos ratos saltou de 121 para 137 milímetros de mercúrio, um aumento de mais de 13%.
O chumbo está em vários produtos. De tinturas capilares progressivas a baterias de carro, passando por itens tão diversos quanto tintas, balas de revólver e brinquedos piratas. A intoxicação ocorre quando a substância é ingerida, injetada ou inalada.
Um estudo publicado em 2009 analisou a contaminação por metais pesados nos parques de São Paulo, um efeito da poluição na metrópole. Praticamente todos tinham problema. O Parque Buenos Aires, em Higienópolis, apresentava concentração de chumbo de 439 mg/kg nas amostras colhidas, duas vezes mais que o considerado seguro.
"A hipertensão é uma doença multifatorial, pois vários fatores contribuem para o seu surgimento", afirma Dalton Vassallo, coordenador da pesquisa e médico da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória e da Universidade Federal do Espírito Santo. "Muita gente deve ser hipertensa também por causa do chumbo e não sabe."
Legislações trabalhistas de diversos países - entre eles, Brasil e EUA - estabelecem o limite de contaminação em 60 microgramas por decilitro de sangue: uma concentração seis vezes maior que a observada nos ratos. "Os limites atuais são muito altos", alerta Vassallo.
O elemento químicos causou dois tipos de alteração no organismo dos animais: um local e outro sistêmico. O efeito sistêmico derrubou a pressão arterial ao interferir na bioquímica do sangue. Como reação, o organismo tenta dilatar os vasos sanguíneos para reduzir a pressão. "Mas não consegue sustentar a reação por muito tempo", diz Vassallo. Após um mês, os vasos desistem de compensar a pressão.
São mais conhecidos os danos cognitivos e a ação cancerígena do chumbo. Em 1996, a Revista de Saúde Pública divulgou um artigo que já apontava que profissionais expostos à substância, mas com níveis de contaminação inferiores a 60 microgramas de chumbo por decilitro de sangue - portanto, dentro do limite da legislação trabalhista -, já apresentavam "comprometimento dos nervos radiais".
Estudos. "Ainda não caiu a ficha do perigo que os metais pesados representam para a saúde", afirma Vassallo. Faltam estudos no País para aferir a contaminação média da população. "As pessoas e o governo acordam quando acontece alguma tragédia."
Em 1956, milhares de pessoas foram intoxicadas por uma fábrica que usava mercúrio em Minamata, Japão. Muitas vítimas morreram após ter convulsão e psicose. Centenas de bebês nasceram com malformação fetal. Em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, uma fundição de chumbo intoxicou a cidade. Desativada em 1993, seu impacto ainda era perceptível no fim dos anos 90.
Mas, na maioria das vezes, a intoxicação ocorre de forma silenciosa e progressiva, diminuindo o estímulo para a criação de políticas públicas de saúde mais sérias. O Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas aponta que, em 2008, 275 pessoas procuraram algum centro de referência no País com relato de intoxicação por metais.
"Uma pessoa só procura um centro quando tem uma intoxicação aguda. A maioria só desenvolve sintomas após anos de contato com a substância. Muitas vezes, sem atribuí-los ao agente tóxico", lamenta Rosany Bochner, coordenadora do sistema.

PARA ENTENDER
Contaminação é comum em produto pirata

Cosméticos, remédios e alimentos piratas apresentam grande risco de contaminação por chumbo e outras substâncias tóxicas, aponta Érica França, especialista em cosméticos da Anvisa. Em 2007, milhões de produtos feitos na China com tinta à base de chumbo foram retirados do mercado.
Érica explica que o País não permite o uso do chumbo na formulação de cosméticos. A única exceção são as tinturas capilares progressivas. "Não há evidências científicas de que existe risco", afirma Érica.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) encampou uma campanha pelo banimento do chumbo nas tintas. No Brasil, a Lei n.º 11.762/2008 torna residual a presença da substância nas tintas imobiliárias. "O principal objetivo é proteger as crianças", explica Dilson Ferreira, da Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas.
O procurador da República Luis Sérgio Langowski iniciou um procedimento para verificar quem deveria fiscalizar o cumprimento da norma. Para ele, há um vácuo legal, pois não está claro qual órgão deve zelar pela lei. "Até a regulamentação da lei, cabe à vigilância sanitária", diz Langowski.
Para Zuleica Nycz, da organização não governamental Toxisphera, a falta de mecanismos de fiscalização afeta outros produtos com chumbo. "Esse elemento deveria ser banido", afirma Zuleica. "As pesquisas mais recentes mostram que não há níveis seguros da substância."

Vi no ESTADÃO

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